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Resenha

Bananada 20: a receita mudou, mas a mistura deu tão certo quanto nas outras 19 edições

Por Felipe Ernani (texto) e Gabriel Arruda (fotos)

Quem já foi ao Bananada sabe que é uma experiência única. O festival goiano não tem a grandiosidade de um Lollapalooza ou Rock in Rio, e errou em 2017 quando apostou em uma edição maior: o público saiu feliz, mas os organizadores nem tanto. O grande desafio para 2018, então, era tornar o festival novamente viável sem prejudicar a experiência do público. Desafio aceito e cumprido, ainda que com ressalvas.

Fabrício Nobre, idealizador e organizador do festival, deu um passo arriscado quando alterou o local de realização. Saindo do amplo Centro Cultural Oscar Niemeyer, o Bananada 20 foi realizado no estacionamento do shopping Passeio das Águas. Mas essa não foi a única mudança: nova estrutura para os palcos, sistema cashless para compra de bebidas e comidas e um lineup que tentou misturar não apenas ritmos como também os artistas já estabelecidos com aqueles que reforçam a espetacular cena independente do país.

Fui enviado pelo Canal RIFF para cobrir o “evento principal”, o final de semana dos dias 11, 12 e 13 de maio. Vale lembrar que o festival começou na segunda (dia 07 de maio) e, durante a semana, foram várias apresentações pela cidade de Goiânia e quem cobriu para o RIFF foram alguns dos artistas participantes!

Falando do final de semana: no primeiro dia, como era de se esperar quando se realizam tantas mudanças de uma vez só, muita coisa deu errado. Especialmente as filas, enormes. Mas a organização mostrou sua competência em resolver problemas e, nos outros dois dias, tudo correu perfeitamente. Ainda que as opções de alimentação tenham deixado a desejar (especialmente para quem foi nos últimos anos, com muita variedade sempre), o grande destaque foi o chope Colombina: produzido localmente, delicioso e vendido a um preço justo (3 por 20 reais). Além disso, repetindo o sucesso de 2017, o festival ofereceu água à vontade durante os 3 dias, tornando a experiência muito mais agradável (e saudável).

A estrutura para os palcos principais era excelente  —  quiçá até melhor que nos anos anteriores. Porém, nos palcos menores, atrações que exigiam um pouco mais de clareza  —  como Fresno e Holger  —  acabaram ficando bastante prejudicadas; em contrapartida, as bandas mais barulhentas  —  casos de Hellbenders e gorduratrans, por exemplo  —  usaram a acústica a seu favor.

Hellbenders - por Gabriel Arruda
Hellbenders – por Gabriel Arruda

Das apresentações, a preferida do público pareceu ser a do ÀTØØXXÁ, com um segundo lugar bem próximo para o BaianaSystem. O fato é que ambos os grupos baianos simplesmente não aceitaram que alguém ficasse parado durante seus shows  —  e o público, sem hesitar, obedecia. Além desses, destacamos também a linda homenagem Refavela 40 de Gilberto Gil  —  que só não foi mais apreciada pois o público aguardava impaciente a aparição do homenageado (Gilberto só entrou no palco para o terço final do show)  —  e a sempre incrível e emocionante performance de Francisco, el Hombre.

Em uma missão quase sobre-humana de tentar estar em vários lugares ao mesmo tempo para assistir todos os shows sensacionais que o festival propôs  —  especialmente considerando que os palcos menores e maiores tinham atrasos diferentes  —  tentei capturar a maior parte dessa experiência nos stories que estão na parte de destaques do instagram do Canal RIFF.

Falando agora da experiência pessoal e parcial, os shows que destaco nos palcos maiores (além dos supracitados) foram o da chilena Javiera Mena (uma grata surpresa), o da sempre performática banda goiana Carne Doce e o do Heavy Baile, que mesmo se apresentando às 3 da manhã fez o público gastar o que restava de energia. Por outro lado, apesar dos repertórios sensacionais, Rincon Sapiência e Pabllo Vittar acabaram deixando um pouco a desejar  —  no caso do rapper, talvez seja uma decepção pessoal por ter visto o show com banda completa no Lollapalooza, que me pareceu muito mais impactante; o caso de Pabllo é um pouco mais complexo. A performance foi incrível; no entanto, o público parecia assistir o show apenas aguardando o próximo hit  —  talvez seria o caso de um show um pouco menor.

Francisco, el Hombre - por Gabriel Arruda
Francisco, el Hombre – por Gabriel Arruda

Quanto aos palcos menores, sem dúvidas o show do menores atos foi o grande destaque pessoal. Porém, as performances do Molho Negro e d’As Bahias e a Cozinha Mineira (que teve até Pabllo Vittar no palco) foram sensacionais. Não podemos deixar passar em branco também os outros artistas excelentes que passaram por esses palcos: BRVNKSErmoGiovani CidreiraEma StonedLutreBlastfemmeViolins, e tantas outras que mostram a força da cena independente nacional e que renovam as esperanças no futuro da música brasileira.

A “nova” receita do Bananada deu bastante certo. Não dá pra saber ao certo quais serão os próximos passos do festival  —  só sabemos que o Bananada 2019 acontecerá e já tem data (29/04/2018 a 05/04/2019)  —  mas o fato é que a vigésima edição do festival mostrou o que ele tem de melhor: uma mistura de estilos, de bandas grandes e pequenas, de gente de todos os cantos do país, unidos pela música e pela experiência incrível do festival goiano.

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Entrevista

Entrevista: Lutre

Intensidade é a palavra-chave para descrever a banda goiana Lutre, com suas composições que prezam por uma delicadeza sincera e uma crueza sonora. No processo de criação de seu primeiro disco, eles contaram com apoio de uma outra banda conhecida pelas mesmas características: a carioca Ventre.

“Conhecemos a Ventre num show que fizemos juntos em março de 2016, no Complexo Estúdio (Goiânia). Logo após o show, numa conversa em volta da mesa de merchandising deles, nos convidaram pra gravar um EP em seu estúdio no Rio de Janeiro. Sem saber como reagir direito, aceitamos e logo já corremos pra ver datas em que todos pudessem estar juntos e comprar as passagens”, conta Chrisley Hernan, baixista da banda.

 Ele forma a banda junto de Marcello Victor (guitarra e vocal) e Jefferson Radi (bateria). O power trio de rock alternativo surgiu em 2015 e no pouco tempo de existência, já passou por palcos importantes como o Festival Bananada e Festival Vaca Amarela em sua tour nacional. Em janeiro de 2016, lançaram seu primeiro EP e miram alto com o lançamento de “Apego”.

 


RIFF: Como cada um dos integrantes acha que contribuiu musicalmente com o CD novo?

Chrisley: Então.. Todas as letras são do Marcello. Ele sempre manda as músicas novas pra já irmos nos familiarizando, aí a gente chega no estúdio e fica quebrando a cabeça para desenvolver o resto. O resto na maior parte das vezes foi feito em conjunto mesmo, todos pensando sobre como deveria soar e como julgamos melhor soar. Isso não é muito complicado porque acaba que a gente ouve MUITA coisa parecida e igual, temos na maior parte do tempo as mesmas referências e tudo mais.


RIFF: Qual foi a pior parte desse período de gravação do disco novo?

Marcello: Pra mim foi o final da gravação no Rio, no último dia de gravina eu estava bastante estressado e não suportava mais nenhuma piada e nada mais. O foda é que não dava pra dizer: “Gente, hoje não dá, vamos fazer amanhã.” Estávamos no último dia e voltávamos na manhã seguinte pra Goiânia.


RIFF: Chrisley, como é tocar o baixo mais leve do Brasil?

Chrisley: É CHOCRÍVEL ahhahahah

RIFF: Como foi gravar com a produção do Ventre?

Marcello: Foi uma experiência muito gratificante e de bastante aprendizado tanto no lado musical quanto no lado pessoal. Quanto ao lado musical eu pude aprender mais sobre timbre, pedal e tudo mais voltado pra guitarra, camadas de guitarra, dobras e tudo mais. Quanto a parte pessoal, lá a gente aprendeu como o independente vai se construindo a partir do amor das pessoas. Pelo menos eu aprendi muito sobre solidariedade e sobre poder passar pra outras pessoas o que se sabe e o que se pode fazer com o que tem. Nessa semana em total presença com a Ventre, a gente voltou com um pouco de cada uma das personalidades e é isso, eu acho. Não sei se deu pra entender kkkk foi bonito foi.

RIFF: Quando vai rolar session com o RIFF?

Chrisley: Por mim a gente ia pro Rio de mês em mês e gravava session todas as vezes!

Marcello: Uai, só vamo, eu digo bóra e vocês dizem quando kkk

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Coluna

Coluna O Cair da Agulha: Lutre – Apego (2017)

Por Alan Bonner | @Bonnerzin

O ventre deu fruto. Robusto, sujo e barulhento, “Apego” é o primeiro álbum da Lutre, banda de Goiânia fundada em 2015. As nove faixas são composições de Marcello Victor (guitarra e vocal), Jefferson Radi (bateria) e Chrisley Hernan (baixo), co-produzidas pelos três juntamente com Gabriel Ventura, Larissa Conforto e Hugo Noguchi, membros da carioca Ventre. E com padrinhos e madrinha como estes, o resultado não podia ser diferente: um ótimo disco, de uma banda que ainda não tem o mesmo apelo de público das que surgiram no underground nos últimos 2-3 anos, mas que certamente conquistará muitos ouvidos com esse álbum.

A primeira impressão que se tem ao ouvir “Apego” é que, mais do que na produção, o trio do Rio de Janeiro influenciou bastante a sonoridade da banda goianiense, especialmente nos arranjos. A guitarra lembra bastante a de Ventura, tanto nos acordes quando nos efeitos utilizados. Mas as interseções param por aí, e o grupo exibe, com o passar das faixas, a sua cara: um hard rock “abrasileirado”, meio alternativo, meio experimental, com influências que vão de Caetano a Radiohead, indo lá fora buscar um pouco de BadBadNotGood e voltando para beber em fontes como Xóõ e Lupe de Lupe. O spoken word de “Salvador” certamente tem a aprovação de Vitor Brauer.

O que mais marca o disco é o fato de que todas essas influências resultam em músicas totalmente distintas uma das outras, o que gera um álbum plural, algo muito positivo e relevante para uma banda tão nova. Sinal de que estamos presenciando só uma ponta desse iceberg de criatividade e que existe a capacidade de se explorar muitas outras sonoridades nas músicas que virão depois destas. O não repetimento de fórmulas se estende às letras, que abordam temáticas que vão desde inquietações agoniantes sobre o que está em volta em “Mudo” até a nostalgia de um amor passado em “Graça e Poesia”. Em suma, são expressões das angústias e prazeres de três jovens nascidos numa cidade quente, em todos os sentidos possíveis que quem vive, já presenciou ou sabe histórias das consequências do encontro do rural com o urbano que é Goiânia Rock City.

A Lutre dá um grande passo para conquistar mais ouvintes e palcos com “Apego”. Um álbum de sonoridades ambiciosas, que traz algo novo prestando reverência a quem o formou e que também aponta direções. E acima de tudo um trabalho maduro, que escancara a qualidade dos envolvidos em sua construção. Trabalho para ser ouvido várias vezes para que todas suas várias nuances sejam devidamente absorvidas e degustadas. Enfim, um discaço, daqueles feitos para jogar na cara do/da amigo/a que diz que “não tem mais música boa no Brasil”.


Ouça “Apego”: