Por Laura Tardin
Noite chuvosa, Lapa meio vazia. Circo Voador confortavelmente tomado por rostos conhecidos. Após apresentação naturalmente explosiva do Far From Alaska, um amigo me pergunta: “E Cachorro Grande? É melhor do que Far From Alaska?”
De volta ao Rio, o FFA fez um show irretocável (Foto: Laura Tardin)
Uma enorme nostalgia tem gosto de Circo Voador. Lá estão eles, os cachorros gaúchos, latindo após 10 anos desde que estouraram na MTV – ela, saudosa, que ditava o que os jovens ouviam. Beto Bruno (vocais), Marcelo Gross (guitarra), Pedro Pelotas (teclados), Rodolfo Krieger (baixo e vocais) e Gabriel “Boizinho” Azambuja (bateria) aparecem como se o tempo não tivesse passado, no mesmo estilo de rock sólido, irreverente e eterno, com suas roupas mod e boinas na cabeça.
Formada em 1999, a Cachorro Grande provavelmente chegará aos seus vinte anos de estrada bebendo de suas fontes tão claras: ali estão os Beatles, The Who, Rolling Stones. Aos que ouvem a banda pela primeira vez, os refrões são de fácil entendimento, e dançar e pular são tarefas simples. Beto Bruno solta uns palavrões aqui e ali, o que aumenta ainda mais o seu carisma. Fala do amor e da saudade pelo Rio de Janeiro, cidade que inspirou a canção Bom Brasileiro, em versão adaptada para o show do Circo. E isso não é demagogia.
Após o DVD “Acústico MTV: Bandas Gaúchas”, de 2005 – no qual havia uma versão de Dia Perfeito, balada sensual digna de um strip-tease, cantada em dueto com Paulo Miklos (Titãs) -, a Cachorro Grande fez uma temporada no Rio, com direito a muitos shows em sebos, proximidade ao público e muita, muita cerveja à beira da praia. Ali foi o seu estouro para um público mais aberto, e provavelmente a formação para o animado público do Circo Voador, em setembro de 2015.
Aliás, a música Desentoa, sucesso diário do Disk MTV, não foi tocada pela banda. Mick Jagger falou que não chegaria aos 60 anos tocando Satisfaction, e no entanto chegou. Será que Beto Bruno enjoou de Desentoar?
O show começa aproximadamente à 1h40, após (os showzaços) di The Outs e Far From Alaska, com Você não Sabe o Que Perdeu, seguida de Hey Amigo. Nostalgia, nostalgia, dez anos não fazem diferença alguma. O Circo está captado e cativado. Apesar disso, a proposta da turnê é apresentar o disco “Costa do Marfim”, de 2014. Dele vêm as próximas canções do show, cantadas por menos fãs empolgados.
Beto Bruno, dignamente sempre alcoolizado, não poupa sua voz e seu estilo irreverente na comunicação com o público, tampouco na execução das músicas. Talvez pule menos do que há dez anos. Os vocais são divididos a todo o tempo com Rodolfo Krieger, tocando linhas simples e eficientes de baixo. Os teclados, típicos de classic rock, talvez curiosamente apareçam menos do que os teclados eletrônicos de FFA.
Os gaúchos apresentaram o álbum ‘Costa do Marfim’ (Foto: Laura Tardin)
Ao voltar para os antigos clássicos, mais e mais músicas cantadas a plenos pulmões pelos presentes. Foi assim com Sinceramente, na qual Beto Bruno nem precisava ter aparecido para cantar uma estrofe sequer.
O único cover do show foi o bis, Helter Skelter, dos Beatles. Lembro-me mais uma vez da década passada – já ouvi a pergunta “como se chama aquela música que Cachorro Grande canta em inglês?” “É Helter Skelter, dos Beatles, cara pálida”. Sexperienced foi executada pela metade, intercalada com a letra de Holidays in the Sun, dos Sex Pistols.
Se Cachorro Grande é melhor do que FFA? O rock bêbado e claramente espelhado com os anos 60 é melhor do que o Beto Bruno com muita satisfação definiu como “rock da nova geração”? Sei lá, talvez sim, talvez não. Mas é minha banda nacional favorita, e fico feliz em ver que ela não é efêmera nem no que faz, nem no que é.