Por Tayane Sampaio (texto e fotos) | @Tayanewho
O aclamado álbum “Idioma Morto” (2006), da Ludovic, completou 10 anos e alguns fãs tiveram a sorte de comemorar a data com um show da banda, que encerrou as atividades em 2008. Os paulistanos, respeitados na cena underground, passaram por Brasília, na última sexta-feira (23), e incendiaram o Stranjas Club.
Com aproximadamente duas horas de atraso, o evento começou com a apresentação de Vitor Brauer. O mineiro utilizou apenas voz, violão e alguns pedais em seu set. A “falta” de instrumentos não chega a ser percebida, pois a inquietude de Brauer, que toma vida por meio de sua voz, é a sua carta na manga. Vitor tem uma característica que me encanta e que é escassa: ele não permite que sua obra seja rotulada. Ele canta rap, recita poesia, faz música eletrônica e mais um monte de coisa, tudo junto e sem que o conjunto perca o sentido.

Seja com as músicas da Lupe de Lupe, do supergrupo Xóõ, ou de seu projeto solo, o músico canta palavras de uma sinceridade que poucos se atreveriam a dizer em voz alta. As canções, muitas vezes, parecem confissões que o vocalista compartilha com a plateia, como em “17”: “Eu só pensava em morrer quando eu morava em Valadares/Embora eu já nem saiba dizer qual desses lugares que me dói mais/Porque hoje eu vivo tão sozinho”. A forma crua e autêntica que o cantor despeja suas indagações faz com que o público queira unir-se ao seu discurso. Mesmo com a letra complexa e o ritmo acelerado, tinha gente que recitava cada palavra dos versos de “Eu Já Venci”, junto com Vitor.
Agora, com algumas pessoas a mais, as cadeiras deram lugar a pernas ansiosas, que andavam sem sair do lugar, enquanto a Ludovic arrumava seus instrumentos. Jair Naves (voz e baixo), Rodrigo Monttorso (bateria), Eduardo Praça (guitarra) e Zeek Underwood (guitarra) deram início ao show com a poderosa “Atrofiando/Recém-Convertido/Ex-Futuro Diplomata”, primeira faixa do aniversariante “Idioma Morto”. Além das canções do derradeiro álbum, a Ludovic também tocou músicas do primogênito “Servil” (2004).
O grupo surpreende pela energia e entrega durante toda a apresentação. Jair, com sua voz potente, ora suave, ora aos gritos, comanda o coro formado pelo incansável público. O espaço apertado também não foi empecilho para os pulos animados de Zeek e a movimentação de Eduardo. Rodrigo, que não fazia parte da formação original, em nenhum momento fica para trás e mostra bastante entrosamento com os companheiros.

Mais de uma vez, Jair dividiu seu microfone e o palco com os fãs, que se entregaram à performance tanto quanto a banda. As letras e guitarras raivosas foram a ponte da bonita conexão entre o público e os músicos, que compartilharam esse momento especial. “Eu queria todas as luzes acesas, eu quero ver vocês. A gente precisa ver vocês”, pediu Jair Naves, mais de uma vez.
Nesses meus muitos anos frequentando shows, poucas vezes vi uma apresentação tão visceral. O vocalista se enfia no meio do público, que dança, bate cabeça, canta, grita, transpira junto. Mesmo antes de acabar, a nostalgia tomou conta de mim e ficou a vontade de, um dia, poder viver aquilo de novo. O ato final foi um abraço dos fãs na banda, literalmente. Um emaranhado de gente rodeando os músicos.
Após a emocionante apresentação da Ludovic, foi a vez da Enema Noise tocar. Os brasilienses, que lançaram o EP homônimo no começo do ano, honram o nome da banda com uma sonoridade barulhenta, meio torta, um post-hardcore-punk, que foge da obviedade.

Rafael Lamim (voz e guitarra), Daniel Freire (voz e bateria), Murilo Barros (guitarra) e João Victor (baixo) tocam com entusiasmo e entregam uma apresentação que, no mínimo, desperta a curiosidade de quem ainda não os conhece. Quando não estava soltando gritos rasgados no microfone, o vocalista caminhava de um lado para o outro com sua guitarra, que insistia em se soltar da correia. As vozes também ficam por conta de Daniel, que alterna entre o microfone e a bateria. Os dois se dividem entre vozes mais melódicas e screamos. Essa combinação dá muito certo e chama atenção, como em “Azarnoazar”, que, mais para o fim, é tomada por guitarras distorcidas. O comportamento elétrico dos dois se contrapõe à performance mais introspectiva de Murilo e João.
Como em todo evento underground, tinha CD’s e camisetas à venda, nas banquinhas de merch. Além disso, em uma outra mesa, você encontrava uma boa variedade de zines, muitos com temática feminista. O salão, no subsolo do Stranjas, que já recebeu bandas como E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (SP) e Desventura (MG), tem tudo para se firmar como um grande ponto de encontro do underground brasiliense.